sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Circunvagâncias

Do eternizado circunvagar entre a tina e o fogão, também a horta, e ainda alguma ajuda na lavoura, que de muito lhes valia, enquanto os braços a supriam de forças. Mulher disposta e mui determinada que sempre fora, não deixando nenhuma tarefa sem o seu término, Dona Maria Justina foi apequenando-se naquele espinho que lhe surgira.


Pouco a pouco começou a dar sinal em suas horas de labutar de todo um fraquejamento e de um grave molestamento interno que findou por plantá-la quase que totalmente em sua cama de colchão de palha de milho com cobertor de penas de pato e ganso.

Preocuparem-se todos se preocuparam alarmarem-se todos se alarmaram, até serem tomadas medidas para minorar os sofrimentos da ditosa velhinha, lá se vão outros quinhentos, não havia dinheiro para um médico na cidade, o João Curandor mudara-se para longe, lá para os lados da Baixada das Candócas, impossível perder dois dias em época de colheita. As ervas que a matriarca requisitara, para fazer-se ela mesma alguma mezinha, o Juquinha Fuça-Preta saiu pelos campos uma manhã, trouxe um monte de mato, mas não encontrara nada das que foram pedidas.

Voltavam-se todos para qualquer coisa das ocupações diárias, e algumas até nem tão urgentes, como forma de expurgar-se um pouco ao dolorido tormento daquela que nunca descansara ou descuidara, na atenção para com qualquer um que fosse, até mesmo estranhos que lhe chegassem as mãos. Ficara meses a cuidar de um pobre coitado, Chico Mamão, que viera dos lados do Oitão Fundo e levara balaço sabe lá por partes de que jagunçagem. Os filhos alarmaram-se, que onde que se via, podiam até cair em desgraça com algum poderoso, uma insanidade. Mas a alguém de convencer a velha teimosa, trouxe o homem para casa, deu toda assistência, e só saiu sãozinho da silva. Agora esta aí, não consegue se ajudar e aqueles de si, só sabem de escafeder-se.

Quando consegue passageiras melhoras tenta aferrar-se a algo, por entre as dores, tateando aqui e ali, começa algo, que logo tem de ser desfeito. Tudo ao largo... Chama por todos ninguém lhe atende com prontidão, e quando aparecem, põe nos olhares aquela chama de desencorajamento, como que tencionando algo por esses termos: “será porque tudo logo não se resolve”. “Merecemos isso”. “Que fiz lá eu”.

Tudo abate-se. Já emparedada ao leito, quase nem se move, suas únicas linimencias, olhares por algo pela janela... Infindos olhares, mundos e fundos apequenados, e a areia brilhante cada vez mais a escorrer-se mão afora.

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Semanas após todos seguimos compungidos, até mesmo a Zefa do Borralho, inconfundível desafeta, o formoso cortejo, aliviados e quem sabe, algo de exultantes, toda a imensa prole, que chora e lamuria-se, ante tão tamanha perda. Intransponível.

Magnus Langbecker

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