sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Intangibilidade

Primeiramente foram alguns dos mais afastados e rebeldes, que pouquissimamente buscavam o saber das aulas, e muito ansiavam por divertimentos cruéis e barulhentos. Sentavam-se ao fundo da sala, eram deveras hostis, apresentando muitas dificuldades de trato para mim e para meus colegas professores do Liceu Lucas Martin.


Passaram porem, da mais aberta e absoluta hostilidade, e da quase agressão, para um cada vez maior, inescrutável e impávido distanciamento.

Respondiam meus questionamentos, resolviam os exercícios, de forma que primeiramente pensei até numa súbita melhora e maior aplicação aos estudos por parte daqueles pariazinhas. Porem junto com isto veio aquela indiferença, aquele olhar e aquela atitudes de como se estivessem sozinhos executando algo que lhes dera na veneta e olhando, quando necessário não para mim, mas através de mim como se visualizassem um mundo inacessível para meus olhos.

Depois, um após outro, foram todos eles, até os mais aplicados e apegados a mim, contaminando-se da mesma angustiante e absurda epidemia.

Até a Nanda, Fernadinha Monteiro, magricelinha sapeca e com um sorriso cativante, que eu mais estimava e protegia, e da qual recebia uma verdadeira e fanática idolatria acabou por quedar-se cativa daquele mesmo aflitivo mal. Não estava ainda como os outros, porem, já não vinha até mim com tanto entusiasmo, e seus olhos, todo o seu agir e suas expressões já começavam a adquirir aquela personalíssima e soberba eqüidistância que já dominava totalmente todo o resto da classe.

Eu podia falar, rir, agir comicamente me contorcer todo arrastar-me pelo chão, gritar, até ficar nu se fosse possível, que não receberia nenhuma reação, alem daquela indiferença, que me tomava, já naquele momento, por algo totalmente invisível e sem importância. Nenhuma sensação ou sentimento partia-me daqueles olhos, que, só para mim, eram vazios de qualquer expressão quer seja de raiva, alegria, aprovação ou desaprovação.

Primeiro pensei em levar este caso aos meus colegas ou ao diretor, porem, já de algum tempo, comecei a notar neles sintomas inconfundíveis do mesmo mal que afligia a todos os meus alunos. O pior é que através de pesquisas e observações pude Ter certeza absoluta que todos agiam desta forma, só para com a minha pessoa, e de modo algum este mal interferia no comportamento para com os colegas, a família ou qualquer um de meus outros companheiros de trabalho, sejam professores ou componentes do quadro funcional do Liceu

Encastelei-me cada vez mais em minha pequenez e desimportancia e, apesar de Ter quase certeza de que ninguém repararia se eu parasse, continuei dando minhas aulas para uma sala ausente de meus esforços e convivendo com colegas que, mal e porcamente cediam-me um exíguo espaço na apertada sala dos professores sem com isto porem demonstrar qualquer deferência para comigo.

O que deixou-me totalmente alarmado foi quando notei sinais daquela maldita epidemia , também entre meus quadros de relacionamento fora do Liceu, os amigos do barzinho e os funcionários da lanchonete aonde tomo meu café passaram, pouco a pouco, a tratar-me como a um completo desconhecido. Resignei-me a mais esta aflição, porem, a cada novo sinal de indiferença que me é transmitida torno-me, cada vez mais, raivoso e revoltado.

Algumas semanas atrás porem, a situação começou a tornar-se insuportável. Meu cartão magnético já não me dava acesso ao Liceu, chamei o guarda, que sabia-me, sem sombra de duvida, parte do quadro docente, ele porem agiu como se eu ali não estivesse e como se já não ouvisse nem a minha vós.

Completamente alarmado fui até ao prédio da secretaria de educação, mas, ali também, não consegui nenhuma resposta, nem ser notado por nenhum dos funcionários ou das pessoas que por ali se encontravam. Acabei esmurrando alguns daqueles energúmenos e mesmo assim não consegui que, apesar de surpresos e revoltados, dessem-me, um pouquinho que fosse de atenção. Agiam como se tivessem sido atingidos por uma força da natureza contra a qual nada poderia ser feito.

No bar e na lanchonete e em nenhum outro lugar conseguia mais que me ouvissem ou atendessem.

Fui para casa com a firme intenção de nunca mais sair de lá, porem a presença dos primeiros sintomas em minha própria mulher e em minha filha, desanimaram-me totalmente da vida. Despedi-me delas com a desculpa de uma inesperada viagem para um curso de reciclagem, estranharam um pouco porem sem toda a ênfase esperada o que deu mais força a meus propósitos: sairei por ai esganando uns, empurrando outros, matando velhinhas, violentando crianças, agredindo deficientes e, se nem assim ainda não for notado extinguirei minha miserável e desnecessária existência. Mesmo para isso não sei se encontrarei animo, pois quem importar-se-á com o meu passamento?

Magnus langbecker

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