Apertava firmemente
dentro do bolso a célula sebosa e amarotada. Os dois últimos reais de vinte
milhões. Sem casa, sem carro e sem amigos. Deixara a velha Brasília, sua ultima
aquisição, estuporada num poste esquinas atrás.
Flutuara da lotérica
até em casa. Após o irreal da notícia lembra de todo o furdunço. Apostar,
sempre apostara, mas nunca levara muito a sério. Mais um passatempo para ficar
aguardando o sorteio, torcendo, fazendo planos mirabolantes e irreais. Por isso
que não curtia as loterias instantâneas.
Alegria, euforia, família, amigos chegando-se de todos os
lados. Veio um primo do Pará, um colega de
pré-escola lhe apareceu com um milhão de ideias infalíveis e um monte de
garotas (adolescentes, adultas e até varias velhinhas) passaram a lhe dedicar a
maior moral.
Nos mergulhos ainda das comemorações o casamento de mais de
dez anos foi o primeiro a ruir frente aos excessos. Mediante uma polpuda
mesada, é claro.
Festas, bebedeiras, casas de tolerância em profusão.
Da casinha minúscula e
alugada na Vila Ibanez para uma magnifica cobertura no centro.
Largou-se de vez na
perdição. Comprou um bar e uma metalúrgica. Na metalúrgica entrou apenas uma
vez acompanhando o amigo vindo do Pará, o Carlos, que colocou como diretor
geral. Do bar não saía nunca. Mas também precisou de uma gerente. Para não
precisar esquentar a cabeça com bobagens.
Aproveitou e contratou,
mediante teste do sofá, a Carlinha, a mais linda das garotas do colegial, que
sempre fora seu sonho de consumo e, via de regra, nunca antes tomara
conhecimento de sua existência.
Enquanto a loira
escultural desfilava as menores vestes possíveis ante os clientes estupefatos
embriagava ideias junto aos amigos que não paravam de aumentar assustadoramente.
Embalado pela visão da
pista de bicicross, da rótula do Nacional e tendo o Parcão logo ao lado o
PENCA’S “bombava”. O dinheiro, porém,
mais saía do que entrava.
Patrocinou entidades
beneficentes e culturais de boa e de má fé. Entrou até na diretoria de algumas.
Vários partidos políticos começaram a lhe cantar também. Alheio a ideias e
ideais filiou-se em um por puro instinto. O roxo e amarelo das bandeiras lhe
agradava.
Como a executiva do
partido era escolhida pelo tamanho da carteira do militante logo entrou para a
direção do PLPC. A candidatura a vereador foi construída ao natural como muito
esforço e muito desembolso.
No
PENCA’S e na metalúrgica era um ilustre visitante. A campanha lhe exigia ao
máximo. Compensava levando os excessos também ao máximo. Além das licitas
enveredou para as drogas ilícitas. Comprava maconha no Parcão e cocaína na Vila
Kerber. Ninguém lhe incomodava.
A campanha era
coordenada por pessoas com experiência nas lides políticas que lhe colocaram as
necessidades de uma carreira vitoriosa:
- Tem de gastar uns
duzentos mil. Muito santinho, banner, adesivo. Uns trinta carros de som. E uns
cinquenta mil só para a compra de votos. Que senão não se elege.
- Se você esta
dizendo... Mas isso não é ilegal.
- É ilegal, mas todo
mundo faz. Não tem como escapar. Confie em mim. Vou administrar muito bem sua
grana.
O coordenador de sua
campanha era de absoluta confiança. O Carlos é claro, seu velho amigo de
infância, um sujeito que nunca lhe enganaria.
A correria era grande.
Um rapaz contratado pelo Carlos chegava à frente com a camionete cheia de
sacolão e depois que ele havia saído entrava o candidato para falar para o povo
todo sorrisos que se reunia nos diversos locais das vilas mais carentes da
cidade. Ao final da palestra todos saiam satisfeitos e carregados.
No final da campanha o
Carlos solicitou uma grana extra.
- O pessoal tá querendo
muita gorja. Vou ter de botar uns dois ou três de confiança distribuindo
santinhos recheados com notas de cem.
No dia da votação, após
cumprir seu dever cívico isolou-se em um sitio que comprara para momentos de
desopilação. O Carlos acompanhava a apuração no centro e comandava a preparação
da mega festa para a comemoração da vitória.
Não desgrudava o ouvido
da radio Noroeste. Raiva do Madril que ficava enrolando e não divulgava os
números mais rápido.
Seu nome sempre bem
colocado foi caindo para a primeira suplência. E assim se manteve. Atônito não
conseguia acreditar no que acontecera. Melhor, no que não acontecera. Ligou
para o Carlos e ele não atendia. Depois o celular estava fora da área de
cobertura.
Nos próximos dias além
do sumiço do Carlos o inferno aumentou. Os pagamentos de gráfica e carro de som
e tudo o mais não haviam sido feitos. Um monte de cabos eleitorais na porta do
comitê querendo arrancar seu couro. O dinheiro da conta corrente da campanha
sacado todo de uma vez pelo tesoureiro. Que era o Carlos, como sempre. Não
restava nem um tostão.
Pagou tudo a tempo de
descobrir a metalúrgica em situação falimentar. Vendeu a infraestrutura para
pagar os salários em atraso e as dividas com fornecedores.
Para compensar as dores
de cabeça aumentou as faras ao cubo.
Numa dessas a Carlinha
convenceu-o a passar para ela a propriedade do PENCA’S.
Restavam mil reais, o
apartamento e o carão importado. Vendeu tudo, comprou a fatídica Brasília, e
foi morar num quarto de hotel daqueles de péssima reputação, perto da Hidrofer.
Profusão de prostitutas e baratas. Comia ambas.
Ao finalizar dos
trocados foi habitar o veículo.
Ao acaba-lo contra o
poste restou-lhe a rua e os dois reais.
Entrou no shopping do
Real e comprou duas de canha.
Sentado nos bancos
próximo as Aguas Dançantes alheava-se a tudo. Dividia com seus novos amigos. Os
vagabundos habitantes da praça. Com a mesma condição deles agora, porém, um
desassossego muito maior.
- Com o tempo te
habituas. Para tudo serve o condicionamento – filosofa de um dos novos colegas.
De repente surge o
Carlos todo esbaforido a sua frente, gritando e gesticulando animadamente.
Não encontra forças
para esbofeteá-lo e ouve:
- Cara temos de fazer
tua prestação de cotas. Tua sorte virou meu amigo. Desculpa qualquer mal feito,
mas temos de correr. Tu não soube da morte do Mané Tiburcio ontem? Tu vai ser
vereador cara. Da cá um abraço no teu futuro assessor.
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