terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Boa Sorte


Apertava firmemente dentro do bolso a célula sebosa e amarotada. Os dois últimos reais de vinte milhões. Sem casa, sem carro e sem amigos. Deixara a velha Brasília, sua ultima aquisição, estuporada num poste esquinas atrás.
Flutuara da lotérica até em casa. Após o irreal da notícia lembra de todo o furdunço. Apostar, sempre apostara, mas nunca levara muito a sério. Mais um passatempo para ficar aguardando o sorteio, torcendo, fazendo planos mirabolantes e irreais. Por isso que não curtia as loterias instantâneas.
         Alegria, euforia, família, amigos chegando-se de todos os lados.                      Veio um primo do Pará, um colega de pré-escola lhe apareceu com um milhão de ideias infalíveis e um monte de garotas (adolescentes, adultas e até varias velhinhas) passaram a lhe dedicar a maior moral.
         Nos mergulhos ainda das comemorações o casamento de mais de dez anos foi o primeiro a ruir frente aos excessos. Mediante uma polpuda mesada, é claro.
         Festas, bebedeiras, casas de tolerância em profusão.
Da casinha minúscula e alugada na Vila Ibanez para uma magnifica cobertura no centro.
Largou-se de vez na perdição. Comprou um bar e uma metalúrgica. Na metalúrgica entrou apenas uma vez acompanhando o amigo vindo do Pará, o Carlos, que colocou como diretor geral. Do bar não saía nunca. Mas também precisou de uma gerente. Para não precisar esquentar a cabeça com bobagens.
Aproveitou e contratou, mediante teste do sofá, a Carlinha, a mais linda das garotas do colegial, que sempre fora seu sonho de consumo e, via de regra, nunca antes tomara conhecimento de sua existência.
Enquanto a loira escultural desfilava as menores vestes possíveis ante os clientes estupefatos embriagava ideias junto aos amigos que não paravam de aumentar assustadoramente.
Embalado pela visão da pista de bicicross, da rótula do Nacional e tendo o Parcão logo ao lado o PENCA’S “bombava”. O dinheiro, porém, mais saía do que entrava.
Patrocinou entidades beneficentes e culturais de boa e de má fé. Entrou até na diretoria de algumas. Vários partidos políticos começaram a lhe cantar também. Alheio a ideias e ideais filiou-se em um por puro instinto. O roxo e amarelo das bandeiras lhe agradava.
Como a executiva do partido era escolhida pelo tamanho da carteira do militante logo entrou para a direção do PLPC. A candidatura a vereador foi construída ao natural como muito esforço e muito desembolso.
    No PENCA’S e na metalúrgica era um ilustre visitante. A campanha lhe exigia ao máximo. Compensava levando os excessos também ao máximo. Além das licitas enveredou para as drogas ilícitas. Comprava maconha no Parcão e cocaína na Vila Kerber. Ninguém lhe incomodava.
A campanha era coordenada por pessoas com experiência nas lides políticas que lhe colocaram as necessidades de uma carreira vitoriosa:
- Tem de gastar uns duzentos mil. Muito santinho, banner, adesivo. Uns trinta carros de som. E uns cinquenta mil só para a compra de votos. Que senão não se elege.
- Se você esta dizendo... Mas isso não é ilegal.
- É ilegal, mas todo mundo faz. Não tem como escapar. Confie em mim. Vou administrar muito bem sua grana.
O coordenador de sua campanha era de absoluta confiança. O Carlos é claro, seu velho amigo de infância, um sujeito que nunca lhe enganaria.
A correria era grande. Um rapaz contratado pelo Carlos chegava à frente com a camionete cheia de sacolão e depois que ele havia saído entrava o candidato para falar para o povo todo sorrisos que se reunia nos diversos locais das vilas mais carentes da cidade. Ao final da palestra todos saiam satisfeitos e carregados.

No final da campanha o Carlos solicitou uma grana extra.
- O pessoal tá querendo muita gorja. Vou ter de botar uns dois ou três de confiança distribuindo santinhos recheados com notas de cem.
No dia da votação, após cumprir seu dever cívico isolou-se em um sitio que comprara para momentos de desopilação. O Carlos acompanhava a apuração no centro e comandava a preparação da mega festa para a comemoração da vitória.
Não desgrudava o ouvido da radio Noroeste. Raiva do Madril que ficava enrolando e não divulgava os números mais rápido.
Seu nome sempre bem colocado foi caindo para a primeira suplência. E assim se manteve. Atônito não conseguia acreditar no que acontecera. Melhor, no que não acontecera. Ligou para o Carlos e ele não atendia. Depois o celular estava fora da área de cobertura.
Nos próximos dias além do sumiço do Carlos o inferno aumentou. Os pagamentos de gráfica e carro de som e tudo o mais não haviam sido feitos. Um monte de cabos eleitorais na porta do comitê querendo arrancar seu couro. O dinheiro da conta corrente da campanha sacado todo de uma vez pelo tesoureiro. Que era o Carlos, como sempre. Não restava nem um tostão.
Pagou tudo a tempo de descobrir a metalúrgica em situação falimentar. Vendeu a infraestrutura para pagar os salários em atraso e as dividas com fornecedores.
Para compensar as dores de cabeça aumentou as faras ao cubo.
Numa dessas a Carlinha convenceu-o a passar para ela a propriedade do PENCA’S.
Restavam mil reais, o apartamento e o carão importado. Vendeu tudo, comprou a fatídica Brasília, e foi morar num quarto de hotel daqueles de péssima reputação, perto da Hidrofer. Profusão de prostitutas e baratas. Comia ambas.
Ao finalizar dos trocados foi habitar o veículo.
Ao acaba-lo contra o poste restou-lhe a rua e os dois reais.
Entrou no shopping do Real e comprou duas de canha.
Sentado nos bancos próximo as Aguas Dançantes alheava-se a tudo. Dividia com seus novos amigos. Os vagabundos habitantes da praça. Com a mesma condição deles agora, porém, um desassossego muito maior.
- Com o tempo te habituas. Para tudo serve o condicionamento – filosofa de um dos novos colegas.
De repente surge o Carlos todo esbaforido a sua frente, gritando e gesticulando animadamente.
Não encontra forças para esbofeteá-lo e ouve:
- Cara temos de fazer tua prestação de cotas. Tua sorte virou meu amigo. Desculpa qualquer mal feito, mas temos de correr. Tu não soube da morte do Mané Tiburcio ontem? Tu vai ser vereador cara. Da cá um abraço no teu futuro assessor.

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